Ataques à educação pública e reafirmação do projeto classista são temas de debate no ENE

O segundo dia do III Encontro Nacional de Educação foi aberto na manhã de sábado (13/04) com a mesa “Os ataques à educação pública e a reafirmação do projeto classista”. O evento acontece até domingo (14), no Centro Comunitário Athos Bulcão, na Universidade de Brasília (UnB).

A mesa contou com dois docentes da Universidade Federal Fluminense (UFF) como palestrantes: Fernando Penna e Virgínia Fontes. Os trabalhos foram coordenados por Magda Furtado, do Sinasefe, e Toninho Ferreira, da Fasubra.

Abrindo os debates, Fernando Penna apresentou uma divisão de três frentes de ataques à educação pública. A primeira seria uma tentativa de censura contra professores e estudantes. A segunda estaria relacionada à criação de um “pânico moral” na sociedade com ataques difamatórios à abordagem das questões de gênero em salas de aula. Esses ataques são tratados como “combate à ideologia de gênero. A terceira frente seria o impulsionamento de um anti-intelectualismo, que busca inclusive reescrever a história do país como a recente tentativa de releitura do Golpe Militar-Empresarial de 1964.

No segundo momento da sua palestra, Penna avaliou as realizações dos 100 dias de governo Bolsonaro. Apenas ações regressivas, como a militarização das escolas públicas e a defesa do ensino domiciliar foram pautadas no campo da educação.

O ensino domiciliar, para o qual o professor abriu um parêntese em sua palestra, tem se construído em torno do ataque à escola pública. A defesa dessa forma de ensino tem vínculos ao discurso reacionário do Escola Sem Partido, se colocando no campo da mercantilização da educação. O discurso da ministra Damares, segundo Penna, tem apresentado a proposta de educação domiciliar como não sendo obrigatória e tendo material próprio, que será vendido aos pais.

Para Penna, o avanço de uma concepção de Reforma Empresarial da Educação veio acoplado à Reforma do Ensino Médio do governo Temer (Lei 13415/2017). Essa medida possibilita que 30% do ensino médio seja ofertado na modalidade de Ensino a Distância (EaD). A modificação legislativa, além de desconsiderar a docência com a possibilidade do professor “com notório saber”, também permite a EaD “com notório reconhecimento”.

Penna alertou para a disputa existente dentro do Ministério da Educação (MEC), que trocou recentemente o ministro Ricardo Vélez por Abraham Weintraub: “Olavistas e ‘técnicos’, que de ‘técnicos’ não possuem nada. São apenas reformistas empresariais da educação, que disputam o comando do MEC”.

Finalizando sua palestra, na abordagem ao Escola Sem Partido, Fernando Penna afirmou que por trás do nome deste movimento e dos seus projetos de lei, está uma busca incessante pela destruição da dimensão educacional da escola. Eles tratam os professores como fornecedores de um serviço, não os reconhecendo como educadores.

Os efeitos dos discursos do movimento Escola Sem Partido, na avaliação do docente, têm como resultado uma campanha de ódio contra professores em escala nacional. Vários mestres estão sendo demitidos, perseguidos e ameaçados por simplesmente fazerem os seus trabalhos.

Disputa intra-burguesa

Segunda palestrante da mesa, Virgínia Fontes retomou os temas que havia apresentado na tarde de sexta-feira, mas que, em razão de uma forte chuva, não conseguiu apresentar integralmente.

Pontuando a sintonia entre as duas apresentações da mesa, Virgínia destacou que há tensões  entre frações da burguesia pelas diretrizes da educação no Brasil. Para a docente, essas tensões estão explícitas em reportagens e entrevistas nos jornais de grande circulação.

A partir de uma entrevista de Priscila Cruz, dirigente do movimento Todos Pela Educação, ao jornal Valor Econômico, Virgínia traçou as linhas gerais do há de consenso entre “três jogadores no  tabuleiro da educação”. A docente apresentou a linha de atuação de dois deles e uma hipótese sobre o terceiro. Nas palavras dela, a hipótese ainda está sendo analisada e estudada. Contudo, “diante de um governo de extrema direita, temos que socializar tudo o que temos”, reforçou

Consenso e jogadores no tabuleiro

A entrevista de Priscila Cruz foi publicada logo depois que o Valor Econômico publicara um diálogo com Ricardo Vélez, então ministro da Educação. Ao periódico, Priscila disse que há consenso e “cláusulas pétreas” construídas por entidades empresariais sem fins lucrativos. “Quando temos um ministério não alinhado a isso, é um desperdício”, disse Priscila na entrevista. De acordo com Virgínia, parte desse consenso orbita em torno da Base Nacional Curricular Comum e de medidas aprovadas por Temer.

Segundo Virgínia, dois desses jogadores são grupos empresariais já conhecidos. O primeiro é um setor empresarial ligado ao Sistema S, voltado para a formação de mão de obra. Esse setor, segundo disse, tem uma versão contemporânea, que assume o controle das secretarias da educação de municípios, buscando o controle da gestão pública.

“Estou com esse setor contra o Bolsonaro, mas estou contra esse setor todos os dias, pois foi ele que permitiu a chegada dele ao poder”. De acordo com Virgínia, esse setor atuou para bloquear a participação pública nas escolas e nas secretarias de educação, “subordinando as escolhas eleitorais pelas opções de gestões em acordos com prefeitos”, disse.

“O empresariado buscou estrangular a participação dos partidos, cortando a relação da população com as secretarias de educação”, completou.

O segundo jogador seria um grupo formado pelas empresas de educação. De acordo com Virgínia, são as escolas particulares e escolas sem fins lucrativos. Para as escolas privadas, “o trabalho docente é do tipo industrial, onde os professores são operários da educação”, disse.

Ela explicou que as universidades privadas, que visam unicamente o lucro, têm avançado no terreno de formação de professores, em especial em licenciaturas e na área da pedagogia. “A formação docente vem crescendo em universidades particulares, a maioria por EaD”. Essa modalidade, impõe, na média, a relação de 1700 alunos por docente. “Isso é a Kroton”, disse.

Virgínia explicou essa empresa é uma holding de investimentos transnacionais. “São fundos que reúnem dinheiro de capitalistas que circula pelo mundo em busca de oportunidades para aumentar os lucros e explorar os trabalhadores”, explicou.

O terceiro jogador, uma hipótese

O terceiro jogador no tabuleiro da educação seria formado por setores hiper-conservadores, que buscam, de dentro do Estado, gerir práticas que deveriam ser públicas. “Vivemos isso com FHC. Ele secou os recursos, e professores fundaram associações para vender cursos que eram públicos”, explicou.

Segundo a docente, atualmente, esse conjunto de força é ainda mais devastador. O exemplo seria  a Fundação Lava-Jato: uma entidade sem fins lucrativos, privada e de direito público, que seria gerida por delegados da operação sediada em Curitiba. “Os recursos que resultam da atuação pública, seriam geridos por uma entidade privada que poderia pagar altos salários, financiar movimentos e entidades com interesses afins, financiar escolas que formem seus quadros, ou fundar escolas para formar seus quadros”, explicou.

Outro exemplo, é a militarização das escolas públicas, que vem sendo feitas pelas Polícias Militares. Segundo disse, há várias denúncias de que as escolas militarizadas passam a cobrar dos pais e dos alunos matrículas e taxas, mesmo cientes de que a prática é ilegal. Com isso, explicou, “se instaura a naturalidade da cobrança”.

Para Virgínia, quando observadas algumas medidas de Bolsonaro, vislumbra-se a possibilidade de que, em pouco tempo, teremos o deslocamento de recursos públicos para escolas de igrejas, neopentecostais e católica. “Isso é um assalto direto. Vão usar suas posições para disputar o capital entre eles”.

Pedagogia da luta

Segundo Virgínia, embora haja contradições entre esses três jogadores, eles estão unificados na exclusão dos professores, estudantes, sindicatos e associações de classe na formulação de políticas educacionais. “Não temos tempo para alimentar ilusões”, afirmou.

Virgínia concluiu dizendo que é preciso unir forças para enfrentar o governo Bolsonaro. Para ela, é preciso construir essas forças junto às bases e às massas trabalhadoras. “Nossa força está nas classes organizadas e nas massas trabalhadoras sem direitos e mais exploradas. A nossa pedagogia é a pedagogia da luta, em todos os momentos”, encerrou.

III ENE

O III ENE começou nesta sexta-feira (12/04) e terá atividades até o próximo domingo (14/04), na UnB (Centro Cultural Athos Bulcão), em Brasília-DF. Mais de 900 pessoas estão inscritas no evento.

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